Em 2022, o cientista Michael Graziano publicou “A Conceptual Framework for Consciousness”, no artigo ele desenvolve uma teoria para tentar explicar cientificamente a consciência, a partir das circuitarias atencionais. Provavelmente foi o texto que li esse ano que mais me fez refletir, vou expor aqui alguns pontos chaves do texto e caso alguém queira saber mais vou deixar a referência.
A consciência sempre tentou ser explicada pela filosofia, no entanto o autor considera que as explicações existentes até hoje são imprecisas, ele as denomina de místicas, como se fossem muito obscuras. Ainda na primeira parte do artigo ele critica a ausência da ciência no estudo da consciência e pondera algumas dificuldades, como o fato de ser algo intangível, imensurável, que não é objetivo. Isso tudo seria uma dificuldade para a ciência tradicional, já que um dos seus alicerces é exatamente a precisão por medidas. Afinal de contas, o que é a consciência? Aposto que se cada um de vocês que chegaram até aqui pudessem responder, teríamos praticamente respostas bem distintas.
Resumidamente, no artigo ele propõe dois princípios para formular a teoria:
a. Princípio 1: o nosso cérebro é capaz de construir uma imagem a partir de nossas crenças, certezas, memórias.
i. Por exemplo: eu imagino, eu acredito e eu evoco que há uma maçã na minha frente, para isso é essencial que meu cérebro possua a informação sobre o que é uma maçã. Note que uma maçã real não é necessária estar na minha frente para que eu pense nela. Se não tem nenhuma maçã, eu posso acreditar e insistir que existirá uma. É necessário que essa informação exista meu cérebro, caso contrário sem ela, a crença, o pensamento e a evocação são impossíveis, não importa quantas maçãs existam na realidade.
b. Princípio 2: os modelos cerebrais nunca são acurados. O cérebro constrói modelos da realidade. No princípio 2 os modelos nunca são perfeitamente acurados, eles refletem características gerais, mas sempre diferem substancialmente do item que está sendo modelado. Tem uma vantagem adaptativa nisso, modelar o mundo com um gasto energético menor.
i. Um exemplo são as cores, um constructo do cérebro que não representa perfeitamente a realidade dos comprimentos de onda. Todos nós aprendemos na escola que a luz branca é formada por outras inúmeras cores, mesmo assim nosso córtex não é capaz de interpretá-lo de tal maneira, vemos apenas a luz branca. O modelo é automático. O modelo construído pelo sistema visual não é acurado. Eles não são ilusões vazias, mas são caricaturas, ainda que eles formem a base de nossas crenças, pensamentos e reivindicações.
A seguir vou compartilhar um esquema que o autor publica no artigo para facilitar a explicação:
Em A, temos a representação do “Esquema do Corpo’' (Body Schema), um modelo já discutido há mais de um século. Ele funciona da seguinte maneira, temos o Corpo (Body) que é representado pelo nosso cérebro como um “Esquema do Corpo”, isso é feito basicamente por regiões corticais do cérebro conhecidas como lobo parietal posterior, córtex pré motor e motor. O que é este esquema? O cérebro constrói uma simulação, uma representação do corpo: uma porção de informações constantemente recomputadas, que representam a forma do corpo, acompanham o movimento e fazem previsões do movimento.
A figura 1A mostra 3 consequências de ter o esquema do corpo:
- primeira: ter o controle do movimento
- segunda: olhar para outra pessoa e intuitivamente compreender a forma do corpo daquela outra pessoa
- terceira: ter uma representação e conhecimento do nosso corpo. Este conhecimento ele não é exato, pois o cérebro não interpreta precisamente todos os músculos, tendões, ossos e movimentos. Ou seja, ele é impreciso.
Já na figura 1B temos uma analogia do esquema do corpo, para a atenção e o esquema atencional:
- primeira: o controle da atenção, aqui estamos falando da atenção seletiva, aquela capaz de focar em algo específico e inibir os estímulos não relacionados que competem com aquela atenção seletiva (focada). Ela pode ser voltada tanto a estímulos externos quanto estímulos internos.
- segunda: compreender para onde a atenção das pessoas está voltada, o cérebro faz isso observando olhar, expressão facial e linguagem corporal
- terceira: o sistema atencional acessando funções cognitivas elevadas contribui para nossa intuições, crenças, percepções de nós mesmos.
Com isso, o autor hipotetiza a possibilidade de a consciência ser elaborada a partir do nosso “esquema atencional”. Voltando aos princípios 1 e 2, temos a seguinte situação:
De acordo com o princípio 1 todas as nossas crenças, memórias, percepções vem de informações do nosso cérebro, de acordo com o princípio 2 essas informações são representações imprecisas da realidade, ou seja, são caricaturas da realidade.
Para concluir o texto, vamos retomar a situação da maçã. Imagine que você tem uma maçã na sua frente e você direcione sua atenção a ela. Naquele momento, você controla sua atenção direcionando-a a maçã, criando a partir daí uma percepção da forma, da cor, textura da fruta. O seu cérebro forma então uma caricatura da maçã (por meio de um modelo), trazendo uma experiência daquele momento. Em última análise, pelo esquema atencional, o modelo criado da maçã acessa funções cognitivas elevadas que permitem a formulação de suas crenças e percepções da realidade. Se você reduz sua atenção a maçã, o modelo automaticamente muda. Se você simplesmente deixa de prestar atenção na maçã, o modelo desaparece. Em qualquer momento posterior, quando você retoma sua atenção a fruta, o modelo é automaticamente reconstruído e com ele não vem apenas a reconstrução da maçã (forma, cor, aspecto), mas toda a experiência vivida quando o modelo foi construído pela primeira vez (crenças, percepções, memórias).
O que considero mais importante dessa teoria é saber que a nossa consciência está sendo formada o tempo todo a partir de onde direcionamos a nossa atenção.
O nosso estilo de vida atual nos proporciona uma infinidade de estímulos em que podemos manter nossa atenção e formular nossa consciência, o que não sabemos basicamente é que tipo de consciência está sendo formada.
Referência:
https://doi.org/10.1073/pnas.2116933119
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